Oleg
Nikishin/The New York Times
Durante anos, Buranovo foi um vilarejo agonizante, um entre
muitos no interior da Rússia que foram deixados para trás pelo boom
impulsionado pelo petróleo, que levou os jovens a abandonarem as fazendas que
sustentaram seus pais e partirem para grandes e sombrias cidades soviéticas.
As Buranovskiye Babushki testam seu novo figurino de palco
em Buranovo, na Rússia, depois de virar hit no Eurovision.
Em lugares como Buranovo, é comum as fazendas coletivas
falirem, casas de madeira se inclinarem e afundarem no solo, as estradas
virarem ravinas enlameadas e as lojas dos vilarejos sobreviverem da venda de
vodca. Interromper o ciclo de declínio é considerado difícil, se não
impossível.
Porém, Buranovo, com 300 anos de idade, está demonstrando
ser uma exceção, pelo motivo mais improvável: um grupo de oito mulheres locais,
muitas das quais velhas e encurvadas, conhecidas como Buranovskiye Babushki (as
vovós de Buranovo), que abriram caminho para a fama instantânea, em maio,
cantando no festival de música pop Eurovision.
As vovós - a mais velha tem 86 anos - ficaram em segundo
lugar no concurso anual, que coloca cantores de países europeus uns contra os
outros e prende a atenção do continente a cada primavera.
As senhorinhas com vestidos e lenços e tradicionais
apresentaram um rock 'n' roll que convidava o mundo a rir, enquanto sorriam
graciosas, arrastando os pés pelo palco, cantando em altíssimo e bom som sua
versão para um hino festeiro, com direito a refrão em inglês: "Party for
everybody – dance! Come on and
dance! Come on and dance! Come on and boom boom!'' (Festa para todos –
dance! Venha e dance! Venha e dance! Venha e bum, bum!)
Além dos mais de cem milhões de telespectadores que
acompanharam o grupo, o vídeo da apresentação virou um sucesso na internet.
A boa sorte das vovós não apenas está transformando suas
vidas como também a de Buranovo. Para valorizar a quase vitória da trupe, o
governo municipal está construindo um aqueduto, instalando iluminação pública e
cascalho nas ruas principais, além de disponibilizar internet de alta
velocidade para a única escola da vila.
"Deus se esqueceu deste lugar antes de as vovós
cantarem", disse Aleksandr Malkov, diante de sua casa, enquanto observava
caminhões-plataforma rodarem rua abaixo com um cano para instalar o sistema de
distribuição de água. É difícil exagerar o impacto dessas melhorias.
Como boa parte do interior russo, Buranovo é a um só tempo
pitoresca e cenário da penúria rural. Os moradores subsistem do gado leiteiro,
hortas e comida coletada na floresta, como mel e cogumelos. Numa visita
recente, o vento formava ondas num mar de centeio verde; a parte da frente das
casas continha pilhas gigantescas de lenha de bétula.
Veja o vídeo com as Buranovskiye Babushk
Para
Olga Tyurikova, vizinha que alimentou as galinhas de uma das vovós durante o
concurso Eurovision, o grupo salvou a vila. "Se não fossem as 'babushki',
ninguém nem saberia que não havia água em Buranovo", ela disse. A maior
parte do vilarejo nunca teve água corrente.
Tudo começou com um milagre, contou Olga N. Tuktareva, a
líder do coral, que tem 43 anos e, na verdade, ainda não é vovó.
Tuktareva relembrou de quando caminhava pela vila com uma
amiga, em 2008, e lamentou um episódio triste da história local, a destruição
da Igreja da Trindade, derrubada como muitas outras igrejas durante o governo
de Stalin.
Depois do sucesso, as velhinhas russas mudaram o figurino e
repertório, com muito mais rock.
Construída em 1901, ela contava com três altares, dedicados
à Santíssima Trindade, ao arcanjo Miguel e ao profeta Elias. Comissários do
partido fecharam a igreja em 1937; 12 anos depois, uma equipe em busca de
petróleo na parte superior da bacia do rio Volga derrubou a igreja e levou os
tijolos para construir alojamentos para os trabalhadores.
Segundo Tuktareva, durante aquela caminhada, seu celular
tocou. Era um produtor musical de Moscou que havia ouvido falar das vovós
cantoras – elas se apresentavam em escala regional – e tinha uma proposta: se o
grupo cantasse a música "We Are the Champions", do Queen, no idioma
local, o udmurte, a um público de executivos do petróleo na capital do país, o
produtor pagaria bem.
Tuktareva conta ter achado estranho. "Eu mal terminara
de falar que era impossível reconstruir a igreja quando meu telefone tocou. Não
foi um acaso." Depois disso, o grupo ganhou alguma fama cantando músicas
dos Beatles, Deep Purple e Eaglesem em udmurte. As integrantes – todas mulheres
muito religiosas que tiveram de esconder a fé durante a era soviética – criaram
um fundo para reconstruir a igreja.
As "babushki" disputaram uma competição para
representar a Rússia no Eurovision, em 2010, mas como ainda não eram um grupo
de rock, não foram escolhidas. Elas concorreram com uma música chamada
"Como transformar casca de bétula em chapéu".
Como a canção ficou chocha, elas perceberam a necessidade de
serem mais engraçadas e usarem mais o inglês. Elas cantaram "Party for
Everybody", música com letra de Tuktareva em udmurte e de Mary Susan
Applegate, letrista do Modern Talking e outros grupos de música pop, em inglês.
Enquanto as mulheres estavam em Baku, Azerbaijão, para o
concurso Eurovision deste ano, foi construído o alicerce da igreja com o dinheiro
já arrecadado pelo crescente fundo das vovós. Quando voltaram, foram escoltadas
por um comboio policial do aeroporto regional; o emaranhado de aço e concreto
as esperava.
"Nós rezamos e choramos", contou Tuktareva.
Natalia Y. Pugachyova, integrante do grupo batizada na
Igreja da Trindade original na década de 1930, trabalhou durante décadas numa
granja de criação de porcos antes de ficar famosa. "A vida era daquele
jeito", disse.
As componentes não ganharam dinheiro diretamente do
Eurovision, nem para o fundo da igreja nem para si mesmas, mas recebem muito
bem pelos shows e se pagam um bônus. No vilarejo, a fama está mudando suas
vidas. Depois do Eurovision, escolas situadas a vários quilômetros de distância
têm enviado turmas de alunos em excursões para visitarem suas casas.
As vovós afirmaram ter mantido a religião em segredo a vida
toda, mas nunca esperavam que a igreja fosse reconstruída.
"Eu tinha a visão de que algo mudaria em nossa vila",
declarou Alevtina Begisheva, 60 anos, uma das cantoras. "Contudo, nunca
imaginei que teríamos nossa igreja de volta dessa forma."
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